Procurando opiniões sobre o excerto seguinte:
Siraco, quando confrontado com a confusão do companheiro, é lesto a mostrar-lhe que há grupos em Valmude a proceder a uma interpretação séria do sentimento de Jaime – entendido como, aliás, um sintoma – que aflige, para além dele, muitos outros insuspeitos e anónimos cidadãos. Nesta fileira de apartamentos de semblantes acastanhados e cinzentos, os cortinados, esfumando-se atrás das vidraças geometricamente encaixilhadas das janelas, deixavam apenas antever penumbra e vultos indiscerníveis, embora no interior a história seja outra; as escadas de madeira seguem, curvando-se para cima e para baixo, para as entranhas do edifício, onde convivas engravatados e jovens preocupados percorrem os diferentes apartamentos alcatifados, de portas abertas, cada um apenas diferente do outro pela disposição e formato das mesas, estantes, cadeiras e candeeiros. Convencidos de que os efeitos da bomba tinham provocado distorções não apenas no espaço mas, também, no tempo – uma inevitabilidade, bem vistas as coisas, e assim aceite como plausível pela sociedade – estes cidadãos de Valmude colocavam-se não só em realidades e presentes diferentes como, alguns, em realidades diferentes de futuros possíveis. Primeiro, centro de auto-ajuda. Cerca de uma dúzia de semanas depois (dependendo da opinião) todo o edifício tinha sido apossado pelos perdidos no tempo, em ininterrupto crescimento, e os seus desígnios aumentavam. Agora, para além da conversão dos apartamentos, as salas da cave eram usadas por grupos de trabalho com o objectivo de documentar as visões do presente e do futuro de cada membro e, com essas informações, compreender onde se situava o tempo e realidades mais comuns, entendendo-os como correctos; daí, partir para a previsão do futuro, descartando os que parecessem mais anómalos ou destacados do presente intuído. Embora convencerem-se a si próprios de que tinham encontrado o presente certo não de pouco ou nada servia uma vez que continuavam a não conseguir sair dos seus próprios presentes concluiria Jaime, nas semanas seguintes em que o assunto lhe ocupou o pensamento, portanto para quê darem-se ao esforço. A maioria não contestava o mundo à sua volta, sentiam apenas que deviam estar no Outono, no Inverno ou no Verão em vez de no fim da Primavera. Para uns, a guerra tinha acabado há quase dois anos; para outros, há pouco mais de um. Este tipo de distorção de realidade parecia estar, no entanto, apenas confinada às paredes de Valmude. A enfermidade, ou a mania, transmutada em idiossincrasia. Não se sabe muito bem quando, mas tornara-se em algo chique. O edifício acabou por ser comprado pela Fundação dos Perdidos no Tempo, formada por alguns dos membros originais, com reuniões diárias, palestras e concertos, um par de cafés nas cozinhas do primeiro esquerdo e terceiro frente. Esplanada no terraço negro.
Está aborrecido? Mudariam algo?